sexta-feira, 16 de novembro de 2007

The Londoner #2

Enquanto eu vinha do aeroporto de gatwick para a estacao victoria, eu
fui tendo meus primeiros vislumbres de uma inglaterra rural sob um sol
bem capenga de meio dia que so conseguia espalhar sombras sob a luz
amarela do que seria umas quatro da tarde bem torta em maceio. Me
impressionei pela unidade tanto da vegetacao quanto da arquitetura, me
perguntando se os arquitetos aqui sao impedidos de ter criatividade e
inventividade, para manter essa unidade. Na estacao victoria, mal eu
cheguei atordoado, chegou um indiano me falando em alguma lingua
incompreensivel, provavelmente hindu, e depois de alguns intantes
olhando para minha cara de desgosto, ele finalmente perguntou vc nao e
da india, ao que eu respondi um nao mau humorado. De novo essa
ascendencia indiana perdida me persegue, juro que queria entender de
onde ela veio, mas pelo menos agora eu sei que se eu sofrer muito com
preconceito e me sentir excluido da sociedade londrina ao menos eu
procurarei refugio na comunidade indiana, onde eles com certeza vao me
aceitar. =s

Mas muito bem eu arrastei meus quarenta quilos pelo metro
incrivelmente barulhente e chacoalhante da linha victoria ate chegar
na ultima estacao, minha querida walthamstow central. Sai arrastando
as malas pelas escadas, tao bobamente feliz que ia poder descansar
minha exaustao, so para me tocar que nao adiantaram as horas tentando
memorizar o lugar pelo google earth, eu estava perdidinho e nao sabia
para onde ir, arrastando quarenta quilos. Tinha um shopping na minha
frente, e tudo o que eu conseguia pensar era num banquinho onde me
esparramar, entao fui pra la meio sem querer pensar para onde eu
deveria ir. Perda de tempo, la nao tinha banquinhos. Sai e dou de cara
com uma feira, uma feira de rua, e comecei a notar como o tinha arabe
e negro na feira, e eu perguntando onde e hoe street, onde e hoe
street, e ninguem sabia. O pior e que era a rua ali na esquina, bem
facil, segundo me disse um passante, mas os outros continuavam nao
sabendo, e eu so subindo a ladeira da rua, sem lembrar que numero era
a desgracada da chamber house. Entao que decidi arriscar mesmo, nao me
importei mais se era o meio da rua e nao tinha bancos, abri a mochila
ali mesmo no meio da rua e peguei a carta da escola que tinha o
endereco, e vi que estava indo para o lado errado, entao desci em
busca do 406. Isso eu morrendo de calor suado sujo e um frio gelando
minhas maos e minha cara.

Entao pula de 404 para o 410 e eu quase quebro a rua de raiva. La vou
eu perguntar pros arabes-demencia e o cara nao sabia nem dizer se era
a hoe street mesmo, pq eu nesta altura achava que estava na rua
errada. Entao sambei pra la e pra ca, tentando achar um buraco magico
que abrisse com o numero 406 no meio, e entao vi duas pessoas, uma com
cara de mae e outro com cara de filho carregando malas entrando numa
prtginha que ficava depois da esquina entrando numa rua transversal. E
la tinha na maior cara de pau: 406, Chamber House.

Eu tentei entrar, e a mulher que estava segurando a porta para o
menino que subia as malas disse bem chatamente o que vc quer? Eu falei
eu vou ficar nesta casa tambem, entao ela disse pera e subiu, e la fui
eu arrastando meus quarenta quilos por uma escada apertadinha tao
exausto que estava com medo de minhas pernas cairem junto com as malas
escada abaixo. Quando eu finalmente chego la em cima, suado pingando e
me esparramo na cadeira, dou de cara com 3 pessoas, o cara, a mulher
chata, e um careca todos falando alto numa lingua que nunca ouvi na
vida, todos me ignorando completamente, entao olhe pra esquerda, olho
pra direita, olha pro teto, olho pro chao, tudo estava escrito em
alguma lingua incompreensivel, e me deu um medo tao grande eu queria
sair correndo pelas escadas pular pela janela meu deus eu so achava
que eles iriam vender meus orgaos. Mas eu respirei, fiquei olhando sem
parar para a mulher ate que ela olhou pra mim, entao eu entreguei a
carta da escola e ela a pegou e saiu! O menino tinha sumido e deixado
as malas e eu olhando pro careca que estava rindo quase chorando
pedindo para ele levar so um rim ou um pedaco de figado.

A mulher volta, fala em ingles comigo, e diz que eu tenho que pagar
cinquenta libras de deposito, mas que eu receberia esse dinheiro de
volta quando saisse da acomodacao deles. E eu claro claro pago sim
minha filha, qualquer coisa para sair daqui mais rapido, quando so
entao eu noto uma bandeirinha da republica checa na parede, meu deus
eram todos checos. A mulher escreve num post it amarelo um endereco,
me entrega e diz essa e sua casa. Eu com cara de nao entender nada e
ela so acrescentou, nao-sei-quem vai levar vc de carro pra la. Bom,
pelo menos eu nao ia ter que morar com ela ou com o careca do mal.
Entao eu fiquei sentado la, olhando pro chao, esperando por nem sabia
quem, quando ela me mandou ir para outra sala, quando de repente
aparece uma pessoa com cara de normal e olha pra mim, me cumprimenta,
me pergunta de onde eu sou e quando eu digo que sou do brasil ele faz
eu tb todo alegre e depois se volta para os checos entrega a chave e
diz xau e eu abanando os bracos louco para perguntar para ele como e
como foi como seria e principalmente como eu faria para me mudar dali
mas ele ja tinha indo embora. A mulher me levou para a sala ao lado,
onde tinha um homem numa mesa conversando com o minino que eu tinha
encontrado na porta, e tres computadores ocupados por tres checos
jovens sorridentes que usavam a internet em meio a cartazes, fotos,
imagens, revistas e jornais todos em checo, acredito eu.

Entao eu espero, espero, espero, e comecemo a desesperar, porque
ninguem falava comigo ou me dizia nada, todos so rindo falando alto em
checo e eu tentando adivinhar o que acontecia. Meio que deduzi que o
homem da mesa estava explicando os termos do contato para o menino que
havia chegado igual a mim, e entao ele assinou o contrato e saiu, e o
homem olha pra mim e pergunta coisas em checo. Eu faco cara de chocado
e digo que nao entendo, ele faz ah! e fala em ingles que quer ver me
explicar sobre o contrato. Eu sento la e digo que ja esta tudo certo e
que ja inclusive havia pago o deposito de 50 libras para outra mulher
e ele diz tudo certo pode esperar la. Volto pra minha cadeirinha de
burro e fico vendo as pessoas olhando sites em checo enquanto
anoitecia la fora pela janela onde eu podia ver as incontaveis lojas
da hoe street, todas com um ar de lojinhas toscas do centro de maceio.

Um checo simpatico de bandana da cabeca vai embora e quando passa por
mim e ve minha cara de morte me diz que eu tambem posso usar a
internet se quiser, entao eu pergunto a senha e senbto todo feliz no
computador dando gracas a deus de poder avisar ao mundo onde eu
estava. Mas nem durou tanto essa alegria, porque entao veio mais um
estranho e disse que era hora de irmos, ele iria me levar em casa.
Depois que colocamos a mala no carro, veio o tal menino que chegou
igual a mim trazendo as malas dele, entao eu entendi que ele iria
conosco no carro e que era por ele que eu esperava. Tentei trocar
algumas palavras com o motorista mas ele nao soube falar mais ingles
que descobrir de onde eu era e se chocar por eu ser do "brasilia" como
tambem me dizer que ele era da eslovaquia, e nao da rep checa. O outro
menino entra e vamos em silencio ate a carisbrooke road, numero 16,
bairro waltham forest, para o que seria meu lar pelos proximos 15
dias.

Quando chegamos na porta o motorista avisa pro outro cara que tem que
ir checar primeiro e sai do carro entao aproveitei para me comunicar
com aquele ser que estava do meu lado. Perguntei o nome dele, ele
disse leslie, e disse que ele tambem era da eslovaquia. Entao ele
soube que eu era do brasil e me chamava douglas e estranhou meu nome e
meu sotaque ser ingles, eu eu nao tive tempo de explicar, o motorista
voltou para nos ajudar com as malas. A casa e mais tipicamente inglesa
impossivel, colada nas outras, com a salinhas saindo em hexagono do
resto da casa, isso eu morrendo de medo de morar no primeiro andar e
ter que subir escadas com aquelas malas de novo, quando ele nos mostra
uma porta embaixo para um quarto grande e comprido, que ia do comeco
ao fim da casa, com tres camas tubulares dessas insinuante e um
armario-guarda-roupas de duas portas pequeno no canto. Cada cama tinha
um endredom e um travesseiro, e em uma delas, na que ficava do lado do
armario, tinha um homem de meia idade com cara de exaustao, que abriu
um pedaco de olho para ver quem chegava. Eu deixei as malas no chao do
lado da minha cama, que fica do lado da que o leslie colocou a dele, e
me sentei. Entao tentei falar com o homem de meia idade e perguntei
seu nome mas ele nao pareceu me entender, e depois do que apreceu um
minuto olhando para mim com cara de letargia ele respondou qual era o
nome dele. Sem saber o que fazer eu fiquei ali sentado, olhando pro
chao, esperando que alguem me dissesse o que estava acontecendo ou que
algum brasileiro entrasse no quarto e dissesse oi! Mas no fundo eu ja
antecipava o que temia, que naquela casa, so teria gente da eslovaquia
e que nenhum deles sabia falar ingles.


O homem de meia idade deitou sua exaustao na cama de novo e o leslie
voltou pro quarto, coms eu jeito semi-rapper super animado. Eu comecei
a falar uma palavra e ele saiu porque o telefone dele estava chamando.
Eu queria ver e saber onde era o banheiro ou quem morava na casa mas
nao queria sair entrando pelos cantos e esbarrando nas pessoas entao
coloquei a cabeca fora do quarto como uma tartaruga e achei o
motorista. Perguntei porque ele ainda estava ali, e com um ingles
quase inexistente ele respondeu que ele tambem morava ali.

A casa tem quatro quartos em cima, cada um ocupado por um casal de
eslovacos, arado, o "motorista" trabalha na agencia, que se chama
bohemian world, e mora la com a namorada, lucy, que apareceu enquanto
arado me mostrava o jardim (mato) no quintal. Embaixo o que seriam
duas salas foram convertidas em dois quartos, no menor mora um checo e
um eslovaco, e no outro, que e o maior, moramos eu, o leslie e o joani
- homem de meia idade. So o leslie fala algum ingles.

Quando o leslie finalmente saiu do telefone, eu que estava do lado do
arado - bem simpatico por sinal - sem falar nada e morrendo de agonia,
ele me perguntou se eu queria comprar alguma coisa para comer, e como
eu sabia que tinha um ASDA, que e do wall-mart perto de casa, eu disse
que sim, vamos, entao saimos. Eu nao sabia bem para onde ir, mas mal
dobramos a esquina eu me vi no meio da mesma feira de rua cheia de
gente estranha de novo, entao deduzi que estava perto. Saimos seguindo
a rua meio as cegas enquanto conversavamos e acabamos encontrando o
supermercado. Que feliz, eu comprei pao, queijo, presunto e agua e so
deu tres libras.

Voltei pra casa todo feliz, apesar da exaustao, com a economia que
tinha feito e pensando que bom que aqui comida e barata - ao menos no
supermercado. Era noite escura, mas ainda nao era sete da noite, entao
eu estava louco para pegar um metro e ir pro centro mas o leslie ficou
me dizendo que nao se anda para o centro a noite que e tao caro que e
tao longe que e tao dificil e eu estava tao cansado que da cama
tubular sem cobertas e do travesseiro sem fronhas eu nao sai mais.

Entao que soube que o leslie, vejam so, na verdade se chama ladislav,
leslie e so um nome mais facil que ele usa para os ingleses nao
ficarem errando o nome dele, e mais ainda, vejam so, o ladislav nao e
eslovaco, ele e hungaro. Pois e, ele nasceu e morou a vida toda na
eslovaquia, mas ele e hungaro. Comecei a despertar entao para essa
coisa tipica do europeu, de ser tao orgulhoso e fiel as suas raizes e
sua etnia e seu povo, a familia dele mora na eslovaquia desde sempre,
sempre na mesma cidade, mas sao todos hungaros, de uma epoca em que as
fronteiras dos paises nao eram tao absolutas, entao nem eles aceitam
se mudar da terra de onde vieram, nem absorver a etnia e a cultura do
povo que sobreveio. Interessantissimo.

Mas nao sei em que momento eu ja dormia, e apesar de ter tido para o
ladislav me acordar no maximo meio dia, quando eu acordei ja eram tres
da tarde. Mas enfim, eu precisava,

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