quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

the londoner #16


Acordei bem no sábado de manhã e fui lá no instituto francês pagar meu DALF junto com a Carla e o talão de cheques do HSBC dela, que havia chegado pelo correio, só para chegar lá e descobrir que aquilo não era um talão de cheques, mas um talão de depósito, e que eu de novo não teria como pagar o DALF, porque a outra opção de pagamente, isto é, a ordem postal, não poderia ser obtida num sábado. Mas aquele dia, 8, era o último dia de inscrição. A mulher foi então bem simpática comigo, disse que efetuaria minha inscrição e segunda feira eu levaria a ordem postal sem mais problemas. Melhor impossível.

Só neste dia é que eu fui lá no restaurante da Marcele, que eu disse aqui já ter ido, mas na verdade eu confundi as datas. O domingo começou morno, eu estava começando a me sentir sozinho demais aqui, muito embora eu quase nunca estivesse realmente sozinho. E quando eu já estava me preparando para passar meu primeiro dia aqui sem sair de casa o John me liga dizendo que tem um emprego para eu e Carla aqui perto de casa, num hotel chamado The Crowne Plaza, e que como era domingo ganharíamos 9 pela hora. Fomos correndo.

Lá nem encontramos o manager, ficamos a cargo de Barbara, uma Frances que estava no seu último dia de trabalho. Ficamos somente na área do bar, sem fazer muita coisa, só colocando uns copos para lavar na máquina de lavar e pronto. Tranqüilíssimo. Ainda comi um frango ao curry. Saímos lá pela uma da manhã e o hotel ainda chamou um taxi para nos levar em casa! Virou meu objeto de desejo trabalhar regularmente num trabalho assim.

Na segunda eu fui lá fazer o pagamento de minha ordem postal, finalmente, e descobri que ainda tinha que pagar uma taxa de 7 libras (!!!) para fazer a ordem postal de pagamento de 80 libras. Ô caristia. Depois fui no John, ver o que ele tinha de empregos para mim no resto da semana, e ele me deu eventos só na quarta, quinta e sexta.

Na terça então não saí de casa, e fiquei amargando minha solidão. Na quarta o John me liga pedindo para Carla ir junto. Carla estava trabalhando aquela semana todos os dias de manhã no refeitório de uma universidade. Fomos os dois para o Oriental Club, bem pertinho Oxford Street, na frente da estação de Bond Street quase. Mal chegamos encontramos um brasileiro, que parecia trabalhar lá, e ele logo nos mandou trocar de roupa e segui-lo.

Lá em cima, o manager, um argeliano chamado Stephan, nos deixou a cargo de Nader, e foms apresentados ao Garden Room, que nada mais era que um salãozinho para jantares com vista para o jardim. Antes de ser servido o jantar, sempre há uma recepção, onde os convidados bebem champagne e vinho, e assim subimos Eu, Carla, Nader e um filipino risonho para um salão no andar de cima, onde se daria a recepção.

Antes que os convidados chegassem, conversei um pouco com o Nader, e foi suficiente para que ele restaurasse minha fé nesta minha viagem e me desse mais condições de super as saudades. Ele é do Irã, mora em Londres há três anos, e ia passar o resto do ano na malásia com a namorada. Ele me falou de uma passagem de volta ao mundo, que custa em torno de 1300 libras, que dá direito a que se pegue quantos vôos se queira ao redor do mundo por um ano, sob a condição de sempre seguir a mesma direção sempre, seja leste ou oeste, e sem poder ir na direção oposta uma milha sequer. E mais, ele disse que como o resto do mundo à exceção da Europa é muito barato, especialmente para quem tem libras, alguns amigos deles viajaram 6, 7 meses ao redor do mundo com 3, 4 mil libras. Virou meu sonho de consumo.

A recepção foi simples, bastava ficar enchendo as tacinhas de champanhe dos convidados. O jantar foi um pouco mais complicado, pela primeira vez, teríamos que fazer silver service, isto é, servir a comida no prato das pessoas. O problema é que isto é feito com o garfo e uma colher juntos numa determinada posição, meio como se seguram os palitinhos japoneses, e claro que eu-desastrado estava morrendo de medo de jogar comida na cara dos convidados.

Neste clube, todos os copos e pratos têm um elefantezinho, é preciso sempre deixá-los de frente para o cliente. A comida também é colocada no prato segundo algumas diretrizes, a carne fica às 6 horas, as batatas às 12 horas, e os legumes sempre às 3 e às 9 horas. Na hora de servir o prato principal eu fiquei com as cenouras, e o Stephan perguntou logo se eu sabia fazer silver service, quando eu disse que era a primeira vez, ele mandou eu usar só a colher mesmo e colocar normalmente. Carla estava muito cansada e muito perdida, e sem entender as instruções em inglês, nem meus cochichos no meio do jantar, estava cometendo muitos erros, e quando fomos colocar o molho sobre a carne, numa pequena leiteira, ela acabou derramando um pouco sobre o paletó de um dos clientes, e isso foi suficiente para armar uma pequena confusão na cozinha.

Passou a sobremesa e o café e logo estávamos limpando as mesas já. Carla estava arrasada e morta de sono. O Stephan ainda pediu que arrumássemos uma mesa em outra sala de jantar, a library, para o outro dia, e logo então estávamos indo embora, ainda 23 e pouco, pegar o metrô.

No outro dia de manhã lá estava eu logo cedo no Oriental Club de novo. Fui logo procurando o Paulo, mas acabei também re-encontrando a Lívia, do dia do museu de história natural, a Márcia, da sexta-feira passada com o Mark, e ainda conheci um outro Douglas, um outro Paulo brasileiro e seu amigo Wellington. Sim, havia tanta gente lá por um simples motivo: a casa estava cheia e seria um dia super atarefado.

No almoço fizemos a recepção numa sala adjacente à library, sala de jantar decorada com livros por todos os lados. Lá então o Paulo terminou de nos contar sua história. O Paulo é um brasileiro de uns quarenta anos de idade, com passaporte português. Ele cursou hotelaria no Brasil e desde então, há exatos 15 anos, viaja o mundo inteiro trabalhando com catering. Já trabalhou em diversos países e diversos navios. Agora ele mora lá mesmo no oriental club, de quem é contratado. Devido à sua experiência no ramo, consegue empregos muito facilmente onde quer que chega, e a frase que ele mais repetia era: é um trabalho um tanto ingrato, mas paga bem, e tem sempre oferta em qualquer lugar do mundo, por isso, para quem quer rodar por aí, é a melhor profissão a seguir. Inspirador. Engraçado que o Paulo derrubou uma bandeja com taças de champagne no chão, quando estava explicando como segurar bandejas com mais segurança, e este episódio – que muito me confortou, afinal se o super bomzão experiente Paulo derrubou ninguém ia me xingar se eu fizesse o mesmo – ilustra bem como o Paulo é, adora falar e glorificar tudo o que ele fez e faz e sabe, mesmo que soando sempre um tanto pedante e repetitivo.

Ficamos eu, Lívia, Márcia e Paulo naquele salão, e logo fizemos o serviço completo de servir entradas, servir e ficar enchendo o vinho branco e depois o vinho vermelho e as águas, tanto com gás quanto sem gás. Depois limpa-se o prato da entrada e serve-se o prato principal, depois faz-se o mesmo para a sobremesa, e por fim para o café. Este almoço foi um pouco mais complexo, porque diferentemente do normal, neste havia pratos diferentes para pessoas diferentes, então tínhamos que nos ater a um mapinha que ficava na salinha tipo cozinha onde pegávamos a comida. Desta vez tinha até um kosher! Que é um judeu praticamente que só come comida feita por pessoas instruídas por rabinos. A comida dele veio embalada num plástico e a gente nem tocava, servia como vinha. Eu realmente acho esse trabalho interessante, é ágil e as pessoas são sempre muito gentis.

Acabou a maratona do almoço, tivemos nosso intervalo, e almoçamos no refeitório lá embaixo. Márcia foi embora, mas eu e Lívia ficaríamos também para o jantar. O almoço era umas panquecas estranhas com um frango meio xadrez, e eu claro aproveitei para comer o que não como em casa e depois fiquei lá morrendo em cima da cadeira. Uma quatro da tarde O Stephan chamou eu e Lívia e nos mandou ir ajudar um indiano mal-encarado a preparar as mesas de uma outra sala de jantar, esta a maior das três. A criatura era insuportável. E ainda fedia. Ficava o tempo todo olhando com cara de deboche por eu e Lívia não sabermos forrar a mesa como ele queria, e em vez de nos mostrar ou explicar como o Nader ou o Paulo faziam, não, mandava a gente fazer e depois ficava reclamando. E fedendo. Não demorou muito eu já não suportava mais, a Lívia já ameaçando ir embora, e o Paulo passou. Eu gritei logo me salva daqui com essa indulgência feliz de saber que só me entenderia que eu queria e o Paulo olhou com compaixão e logo voltou junto com o Ali, o outro manager, esse marroquino, e pediu para me levar como ajudante dele rapidinho. Eu fui dando graças a Paulo.

E virei burrinho de carga. Tão feliz eu estava de na noite anterior não terem me dado nenhum trabalho de mula no final – apesar de tampouco terem me dado qualquer comida, que voltei dizendo à Carla que tinha amado o oriental club. Hoje me deram comida, e talvez por isso se sentiram no direito de me emular. Mas qualquer coisa longe daquele indiano estava bom, então eu ajudei o Paulo a levar da adega lá para cima umas 60 garrafas de champanhe normal e de champanhe rose e de vinhos tinto e branco. A adega era imensa e lotada de vinhos empoeirados e com teias-de-aranha, tudo num ambiente bem subterr6aneo e cavernoso, eu achei o máximo que o clichê pareceu real. Lá em cima preparamos ainda um bar completo, com várias outras bebidas e enchemos algumas taças, tudo para a recepção, que aparentemente, seria para muitas e muitas pessoas.

Todos os enviados do John estavam lá, além de eu e Lívia, que coitada, havia sobrevivido ao indiano fedido, estavam o outro Paulo, o Wellington, o outro Douglas e Lulu-do-caralho-grande! Que eu nem sabia que estava por lá. Lá fui eu com minha bandeja cheia de tacinhas de champanhe e pimba, claro que eu derrubei tudo em cima de mim e no chão. E como eu sorri feliz naquele momento à memória ainda recente do Paulo tendo derrubado sua bandeja, e nem me importei com os olhares assustados dos outros brasileiros lá, eu sabia que não ia ter problemas. Limpei a bagunça, a Lívia e Lulu me ajudaram, e logo estava eu de volta, segurando outra bandeja. Então que o Paulo me chama para ir servir canapé, e como eu ainda estava um tanto nervoso em carregar bebidas, fui bem feliz pegar as bandejas.

Que eram pesadas, ai todas de porcelana. Mas bem, os convidados se espalhavam por três e apensas dois de nós eram suficientes para rapidamente servi-los todos. Este Paulo parecia em malandro, bem nem aí, com jeito de quem já tinha feito aquilo várias vezes, então saía cumprimentando todo mundo pelos corredores, e pegava canapés para comer sem medo. E todos ainda pareciam realmente gostar dele, sempre respondendo com simpatia malandra. Eu claro tentei ir na onda e roubei uns canapés para provar também, mas nem era muito bons.

Quando os canapés acabaram, vieram umas bandejas com bolinhos de carne, bancos e espetinhos de frango. Eu achei bizarro que aquele tipo de comida que mais parecia de botequim fosse ser servida numa festa tão formais para ingleses da elite, mas inglês é meio amundiçado mesmo, e o olhos deles cresciam quando eles viam aquele pedaço de bacon de forma que eles nem hesitavam em meter os dedos e enfiá-las na boca com bacon e tudo. Desses eu nem quis provar, e mesmo que quisesse nem poderia, porque nem sobrava, ainda acaba rapidinho. E como essa bandeja era grande, de porcelana, com outras três bandejas de porcelana dentro, e como pesava, e como pesava, eu estava quase caindo no chão com porcelana e tudo quando finalmente acabou a comida e a recepção e era a hora de descermos todos para o jantar.

O Stephan logo nos redistribuiu e ficamos eu e Lívia e Wellington com o Nader de novo no garden room, agora arrumado com várias vezes separadas e numeradas, e si então eu entendi que o evento daquela noite não era um evento como os que ocorriam normalmente, tipo uma empresa pagando um jantar e natal para seus funcionários, mas era o jantar de natal do clube, pago, onde as pessoas iam só por prazer. As bebidas não estavam inclusas no preço do pacote, então tudo deveria ser dito diretamente ao Nader. Todos pareciam nervosos e agitados e mal entramos no garden room, nos sentimos num campo de batalha.

Ficamos o tempo inteiro atrasados, sempre tinha gente terminando a entrada enquanto outros já queriam a sobremesa, e um velhinho nada simpático sempre reclamando que sua mesa nunca era limpa na hora em que ele acabava de comer. A comida estava lá embaixo, na cozinha, e era um sobe e desce de gente com pratos quentes pegando fogo – isso porque eles têm esse hábito de deixar as pilhas de pratos dentro do forno para servi-los quentes! – e o estresse era tão geral que quando a maioria das pessoas estava no prato principal, e uma fila grande era formada lá na cozinha, o chef, estupidamente estúpido, começou a xingar todo mundo, brigar e tratar todo mundo mal, eu inclusive, e eu fiquei tão bufando de ódio que a Lívia disse logo que ela iria pegar os pratos sozinha, porque ele realmente estava insuportável. Eu descobri então que muito bem gosto de uma agitação e de um trabalho corrido, mas uma pressa assim estressada é demais, e até bronca do Nader acabamos levando.

Mas passou, o jantar acabou, começamos a limpar tudo e os clientes foram embora. Quando então o Nader pede para que eu e Wellington fiquemos a limpar e separar os talheres lá embaixo. E como eu detesto esses trabalhos pequenos e repetitivos e parados. Wellington idem, e como ele não era muito de conversas, ficamos os dois mudos no maior tédio separando uma caixa interminável de talheres, à qual volta e meia se unia mais uma caixa. Uma hora todos os outros estavam vestidos para ir embora, e eu e Wellington lá ainda, quando nos irritamos de vez e pedimos ao Paulo de lá que nos deixasse ir embora. Ele foi lá assinar a ficha conosco e fomos todos juntos eu, Wellington, o Paulo jovem e o outro Douglas, pois todos morávamos na Jubilee line. O Paulo jovem tem chocantes 17 anos, e mora aqui com a mãe, os dois com cidadania italiana e no trem os meninos voltaram tirando onda da cara dele. Eu vinha só com sono e feliz de ter trabalhado 12 horas, sempre bom pensar no quanto se vai receber depois de um dia cansativo de trabalho.

Capítulos Anteriores