Não sei se foi porque eu não dormi no avião quando vim, dormi demais assim que cheguei, trabalhei a noite inteira e dormi pouco no dia que se seguiu para dormir demais no seguinte. Não sei se foi o Jet lag do qual nunca me recuperei, ou meus hábitos noturnos que sempre foram exóticos e agora extravasaram de vez. O que sei é que se ele já era capenga, agora meu horário biológico quebrou de vez.
Mas naquela sexta de manhã eu tinha que acordar logo cedo, às cinco, e como era a única opção de emprego que me restava, eu ia ter que acordar. E foi na primeiro noite dormida nesta cama nova, com internete do meu lado. Dormi pouco mas consegui levantar, e cinco e meia me encontrei com a Carla na estação de westferry.
Da balsa-oeste pegamos a linha rosa, hammersmith and city, para chegar do outro lado da cidade, onde ficava a agência workplace solutions. Já fui devidamente vestido com minha roupa para garçons, que consistia na calça preta do meu terno, meu sapato preto de tantas emoções vividas e a blusa branca comprada de última hora na c&a. Quando chegamos na agência – às dez para as sete – demos de cara com um monte de gente desconhecida com cara de tédio na sala de espera, enquanto lá dentro um monte de gente velha ria e falava alto num clima descontraído.
Eu e Carla ficamos lá com cara de quem não sabíamos o que fazer – o que, diga-se de passagem, é uma sensação tão comum aqui que se tornou quase algo normal. Quase às oito, enquanto eu pensava que no outro dia – já que havíamos sido escalados para trabalhar na sexta, sábado e domingo – eu chegaria um pouco mais tarde, afinal era uma hora de espera por nada já, um senhor não muito educado pediu que assinássemos – fomos os últimos a ser chamados - e a moça que eu identificava desde o primeiro dia lá como filha da dona da agência disse que só tinha lugar na cozinha e perguntou se eu me importava de trabalhar na cozinha. Uma luz acendeu na minha testa e eu fui logo perguntando mas é o quê esse trabalhar na cozinha? Ela disse que não era nada demais, era pegar vinhos na adega ou fazer mandados pequenos. Eu olhei para a Carla e ela disse apressadamente vocês vão ficar juntos. Fiquei muito desconfiado, pois ela mordia o lábio apreensiva e eu senti que não ia ser um dia muito bom, mas eu disse tudo bem eu trabalho, afinal eu já tinha acordado de madrugada e viajado até ali, agora iria até o fim.
Colocaram eu e Carla numa besta que esperava na rua, e como aparentemente não tinha espaço atrás, fomos os dois na frente. Menos mal. Para onde iríamos eu só poderia especular, mas eu nem sabia que seria fora de Londres, e fiquei surpreso vendo o carro seguir na auto-estrada. Eu nem imaginava que seria tão longe e quanto mais tempo perdíamos vagando pela estrada mais eu me preocupava com o retorno.
Chegamos quase às dez. E como o lugar não tinha nome eu não sabia o que era. Parecia um hotel de campo, estava muito frio. Então que duas russas gordas com uma cara estúpida ficaram brigando com o motorista dizendo que não era por ali que entrava ou que não era ali que parava. Não brigando, mas elas falvam um “Darling”com um tão de voz tão insuportável, como quem está falando com um débil mental, que eu fiquei com vontade de bater nelas, mas fiquei na minha. O motorista – inglês – só resmungava.
Estes dois seres repugnantes se comportavam como as donas do pedaço, e tirando o fato de que aparentemente elas trabalhavam ali já há algum tempo, elas não eram nada. Seguimos o fluxo e ficamos no frio esperando que uma moça inglesa nos dissesse onde deveríamos ir. E foi aí que me separaram de Carla, de novo. No fim eu fiquei sozinho lá e ela não chamou meu nome, eu perguntei o que eu faria, ela viu que meu nome estava na lista, e em vez do avental-uniforme-verde que ela deu para todos os outros, ela me deu uma blusa pólo verde, e disse que eu ficaria no trackside. Eu não fazia idéia do que isso era ou de como chegar lá, e todas as instruções que ela me deu foram siga do outro lado e entre nas portas de vidro.
Dentro das portas de vidro perguntei onde era o trackside, e mandaram eu subir. Passei pela Carla no caminho, mas como queria descobrir logo onde eu deveria ir, nem conversei e fui adiante. Lá em cima fui direto para a cozinha, onde as pessoas ignoravam minha presença, e todas as que eu pedia por informações mandavam eu procurar outra pessoa. Então que uma alma boa disse que eu fosse me trocar, eu não precisaria de minha blusa branca de garçom, e trocado de roupa, como eu não soubesse o que fazer e estivesse lá pedindo por alguma função, uma outra mulher mandou eu ficar separando os talheres que estavam todos misturados dentro de uma caixa de plástico vazada, que eu já conhecia das cozinhas da Disney, era a caixa onde se colocavam talheres para lavar na máquina.
Enquanto eu fazia meu trabalho hiper monótono eu comecei a observar as pessoas. Parecia ser a cozinha de um restaurante. Eu via chefes conversando enquanto montavam pratos, eu via garçons e garçonetes entrando e saindo apressadamente procurando por pratos ou talheres, eu via duas mulheres com ar exótico preparando as pias e a máquina de lavar pratos ali perto de mim. Eu desejei fazer o que aqueles garçons faziam, parecia tão movimentado, enquanto eu estava ali morrendo na monotonia.
Uma inglesa de meia idade e lábios engelhados aprecia volta e meia com um ar aterrador e eu não precisei perguntar para ver que ela era a chefe. Do que exatamente eu não sabia, mas daquelas pessoas com certeza. Então ela me chama, e me manda pegar um paninho com água. Acontece que em todos os meus anos de inglês eu nunca aprendi um vocabulário tão específico de limpeza de cozinhas e eu não entendi bem o que ela queria que eu pegasse. Ela se irritou e foi lá e me mostrou, com aquele ar de quem não vivia de saco cheio de ter que lidar com esses analfabetos que não falam inglês na cozinha dela. Ela então em mandou ir limpar um lugar que parecia nossas mesas de self-service e só então eu tive uma visão do lugar onde eu estava. Era um campo de corrida de cavalos, essas de apostas, e o restaurante em cuja cozinha eu estava, o trackside, era o restaurante com vista para a pista de corrida.
Eu me empenhei no meu trabalho, já que havia sido pedido pela chefa, dei o melhor de mim, queria chamar a atenção dela para o fato de que eu podia fazer coisas que ela me pedisse, qualquer coisa parecia mais interessante que ficar separando talheres pelo tipo. Mas depois que terminei meu serviço não a vi mais, e como não queria fica parado dando uma de preguiçoso – já bastava ela achar que eu era um demente analfabeto – voltei para os meus talheres.
Ela passou de novo e mandou eu ir lá num depósito no fundo da cozinha, agora para pegar xícaras ali guardadas. Terminei a nova tarefa de novo com empenho e voltei para meus talheres. Apressei o passo, e tentei fazer aquilo o mais rápido possível, ávido por outra tarefa. Mas ela passava por mim e não parecia precisar de mais nada, então quando eu terminei duas caixas lotadas de talheres e fiquei aparentemente sem ter o que fazer fui muito educadamente informar uma das mulheres que entravam na cozinha e não eram nem chefs nem garçons que tinha acabado minha tarefa e estava procurando uma nova. A mulher apontou para as duas negras exóticas escoradas na máquina de lavar pratos e disse fique ali com elas que elas sabem o que fazer e você faz como elas.
Fui bem humilde para o lado delas e disse que estava ali para o que elas precisassem e que embora eu não soubesse o que fazer, bastava que elas pedissem. Perguntei então de onde elas eram e elas responderam Eritréia. A cara de espanto que eu devo ter feito deve ter ficado muito evidente, pois elas logo emendaram leste da áfrica. Mas meu espanto não era o que a palavra significava, era estar vendo na minha frente duas pessoas de um lugar tão distante e tão diferente. Nunca pensei que conheceria gente da Eritréia assim tão jovem. Coisas de Londres.
Então a chefona disse com sua boca engelhada que se quiséssemos comer era melhor que fôssemos logo enquanto a cozinha ainda não estava cheia de trabalho a fazer. E foi todo feliz que percebi que era quase meio-dia, parece que esse trabalho, apesar dos pesares, seria tranqüilo.
Lá embaixo, as moças da eritréia me levaram, tinha um frango ensopado ao curry, arroz, uma tortinha de legumes e duas tortas de sabores diferentes de sobremesa. Era minha primeira refeição decente em Londres e eu não me poupei. Comi demais, até passar mal. Fiquei então arfando e segurando minha barriga pesada sentado numa mesa até que as meninas disseram que era hora de subir.
E lá em cima os primeiros pratos já haviam chegado e as meninas começavam o procedimento de colocar eles na máquina. Eu já conhecia bem este serviço, pois o havia feito algumas vezes nos EUA. Primeiro os pratos devem ser posicionados na caixinha de plástico furada e com uma ducha de água quente são removidos os excessos de sujeira dos pratos. Depois eles entram na máquina, que com jatos de água superaquecida dá três banhos químicos diferentes nos pratos até que eles fiquem limpos e livres de bactérias. Depois basta guardar. É um processo rápido e eficiente, e raramente algum prato chega ao fim do processo com alguma sujeira.
Para não fazer nada pedi por um par de luvas e comecei a ir guardando os pratos que saíam da máquina. Mas o volume era pequeno, então eu ficava em pé um tempão esperando que uma caixa enchesse e fosse passada na máquina. De novo o tédio me perseguindo, e eu torcendo para que o restaurante logo ficasse bastante movimentado e eu tivesse mais o que fazer.
Mas não aconteceu. E eu sempre muito humilde fiquei me mostrando como um bobinho disposto a ajudar elas em qualquer coisa, sempre perguntando àquelas moças que pareciam ter vindo de alguma origem sofrida e humilde que me dissessem o que fazer. Bonzinho só se fode, mesmo. Eu tinha percebido que volta e meia chegavam umas panelas e assadeiras para serem lavadas, estas tinha que ser esfregadas à mão, cheias de gordura e assados pregados, e eu notei que depois de cochichar um pouco elas me conduziram para a pia quente e disseram com seu inglês meio arcaico isso é trabalho de homem, tem que esfregar com força. E de repente o que parecia ruim e impossível de piorar ficou pior, eu agora tinha que arear panelas.
Me sentia traído enquanto ralava a esponja de aço no fundo das assadeiras. O trabalho realmente não era fácil, e demorava para conseguir tirar a gordura. E o tempo meu inimigo de longa data claro que aproveitou para pregar umas peças. Ele voltou a não passar. Eu só me perguntando como faria para sair dali e sempre pensando em uma maneira de me vingar daquelas desgraçadinhas, que ficavam cochichando rindo do outro lado na pia da máquina de lavar. Tinha uma montanha tão grande de panelas e assadeiras que não cabia nas duas pias, e não demorava muito as moças traziam mais e mais. Não me daria por vencido, apressei meus métodos, coloquei mais força na mão, espirrei água suja engordurada para todos os lados e consegui lavar mais rápido que novas coisas sujas chegaram, e assim que a minha pia esvaziou eu comecei a pegar as assadeiras e a ir guardá-las lá na cozinha, com um sorriso no rosto.
Mas eu não sabia onde guardá-las, e então que perguntei aos chefs que cozinhavam e assavam coisas por ali. Mas elas me olhavam de cima e pareciam por demais irritados com minhas perguntavam, e com muita grosseria apontavam com um olhar de desgosto ou tomavam as panelas das minhas mãos para pôr no lugar adequado. Mas eram muitas panelas e assadeiras de tipos diferentes, e cada uma ia em um lugar também diferente, então não foram poucas as vezes que me senti humilhada e ultrajado tendo que agüentar a má vontade daqueles senhores em me dizer onde eu deveria guardar aquelas panelas que eu tinha areado com tanta força.
Naturalmente continuando meus trabalhos de guardador, voltei a guardar os pratos que saíam fumaçando quentes da máquina ali mesmo perto da pia, onde era o lugar deles, e fingi não perceber que a pia voltava a ficar atulhada de coisas para arear. Eu não estava me sentindo bem ali, no meio daquela gente, e o embora o tempo se arrastasse, eu parecia ter estado ali fazendo aquilo por tempo demais, então saí sorrateiramente e me tranquei no banheiro. Qualquer coisa alegaria uma dor-de-barriga.
Fiquei algum tempo sentado no sanitário, com meu telefone não funcionava, fiquei ouvindo a conversa das pessoas que entravam e saíam do banheiro. Depois do que parece um tempo suficiente para descansar minhas pernas, uma meia hora mais ou menos, voltei para a cozinha com ar de quem estava muito satisfeito com a vida e voltei a guardar os pratos. A moça da eritréia que falava algum inglês veio tomar satisfações comigo, perguntando toda agressiva onde diabos eu estava, pois elas estavam super ocupadas agora. Eu não respondi e continuei guardando os pratos com eficiência.
Mas aquele restaurante parecia que não ficava cheio nunca, e os pratos continuavam a vir em conta-gotas, o que sempre me dava muito tempo ocioso para me abusar do mundo e ter que ficar olhando para aquela gente toda que parecia completamente indiferente à minha existência. Tentei cantar, batucar na mesa, imaginar que estava em um musical, mas o tempo nunca me ajuda e logo o trabalho começou a tomar ares de tortura.
Não demorou até que junto com as panelas sujas começasse a vir panelas cheias de comida, e tudo era desperdiçado e jogado no lixo como eu já tinha visto acontecer muitas vezes em outras cozinhas industriais. Uma bela hora, quando eu estava no meio de um tempo ocioso, resolvi que era o momento de pedir uma trégua e me dirigi à pia das panelas, onde comecei a arear as panelas que lá estavam. As meninas me olharam com um ar complacente de quem me dava trégua também e agora estavam prontas para unir forças, queríamos acabar logo aquele trabalho e voltar para casa. Era duas e meia.
Aos poucos, de forma intercalada por muito tédio, a cozinha foi sendo limpa, os chefs foram embora, as panelas foram sendo guardadas e o fluxo de pratos foi diminuindo cada vez mais, sinalizando que o restaurante estava fechando e nos dando a esperança de que o trabalho estava chegando perto do fim. Pratos e pratos de sobremesa começaram a ser jogados no lixo, e como as meninas avançaram para comer alguns, eu fui sem perguntar e peguei uns para mim também, deliciosos.
E a cozinha foi limpa, todas as panelas lavadas e guardadas e os pratos continuavam a chegar de forma intermitente. Eu olhava para minha calça e meus sapatos e pedia perdão, por tantos momentos grandes e edificantes eles haviam passado, de festas arrumadas à minha formatura, e agora estavam ali, tendo aquele fim nada honroso naquela cozinha suja. Os pratos não paravam de vir e vinham cada vez mais espaçados, eu não agüentava mais ficar em pé escorado sem ter o que fazer, mas tentava me acalmar pensando no quanto ganharia aquele dia. Do quanto estava ganhando em cada hora, em cada meia hora, em cada quarto de hora, em casa minuto. Infelizmente não adiantava muito.
Só restamos os três na cozinha, esperando que viesse uma pilha de pratos a cada 15 minutos e eu me escorei o máximo que pude numa mesinha quando entra na cozinha uma das russas gordas. Batendo palmas e dizendo vamos vamos já está na hora estão todos esperando já vai dar quatro e meia ela olha para mim e pergunta porque eu estou ali escorado que nem um vagabundo e começa a gritar dizendo que eu vá embora me trocar. Eu respiro fundo e digo que ainda não tinha acabado, estava esperando outros pratos virem ainda. Ela fica me imitando, debochando da minha cara, dizendo como não está terminado? Como não se você está escorado desse jeito? Se você está assim é porque não tem o que fazer, cadê que você não está varrendo o chão ou passando o mop (que é uma espécie de pano de chão retalhado preso no fim de um cabo de madeira e que é usado para literalmente lavar o chão). Eu disse que eu estava ali para lavar os pratos e só iria terminar quando a chefe da cozinha dissesse que eu estava terminado. Ela começou a gritar na minha cara dizendo que eu fosse logo me trocar e saísse da frente dela que ela terminaria meu trabalho para mim porque eu era um imbecil de um imprestável. Eu estava soltando fogos pelas narinas, mas eu não sabia quem aquela desgraçada era, e como não haviam me informado se havia algum responsável ou algum tipo de gerente entre nós eu não sabia se ela estava a mando da agência ou não e com o sapo entalado na garganta eu fui para o banheiro me trocar, demorando o máximo que consegui. Quando voltei a amiga gorda da russa loira que gritava comigo estava lá passando o mop no chão e quando me viu me entregou e disse faça isso darlingui, é seu trabalho darlingui, com a mesma voz insuportável que eu já odiava mesmo quando não era dirigida à mim. Acontece que eu nunca tinha usado aquilo antes, então estava praticamente sujando mais o chão do que limpando. E as duas começaram a gritar ao mesmo, eu achei que ia explodir.
Quando uma das moças da Eritréia, num gesto generoso, pegou o mop das minhas mãos e começou a passar. As russas, ainda me xingando enquanto eu tentava criar filtros de bloqueio mental para não ouvi-las mandou eu pegar um saco de panos de mesa e toalhas-guardanapos e levar quando eu descesse. Eu desci sem olhar para traz, sentindo os sapos vivos se contorcendo no meu estômago. Lá embaixo não tinha ninguém, e eu não fazia idéia de onde deveria levar aqueles sacos imensos e pesados. Lá fora chovia, e no frio molhado eu levantei aqueles sacos com toda a força que tinha e caminhei o percurso todo até o lugar onde eu havia pego a blusa que vestia com aquela moça. Claro que lá não era o lugar dos sacos, mas eu não queria saber mais, minha pele formigava de ódio. Assinei a hora que saí e voltei para a van que tinha visto no caminho. Bati no vidro da porta da frente, Carla estava lá dentro dormindo, eu estava ensopado da chuva e ainda assim com calor do peso das sacolas. Dentro o aquecedor estava topado. Eu me sentia em ebulição.
Eu não conseguia conversar direito, mas fiz a Carla entender o que tinha se passado comigo, e ela disse que não tinha sido fácil para ela também, o gerente dela tinha brigado com ela na frente de todo mundo, porque claro, ela não sabendo falar inglês, ela assim sozinha nunca sabia direito ou entendia o que fazer. Não demorou as russas entraram na van, gritando com tudo e reclamando que não estava todo mundo lá ainda e elas tinham que esperar. Então eu entendi que elas não eram nada, apenas haviam terminado o trabalho delas e assinado a saída e queriam ir para casa o mais rápido possível, pois não estavam recebendo para ficar ali esperando. E demorou até que a última pessoa chegasse, quando partimos de volta para Londres já era quase seis horas.
Minha cabeça perdida num turbilhão eu tomei algumas decisões importantes. Eu não vim aqui para ser humilhado. Eu ainda não sei bem o que vim ver aqui, mas não foi para ser tratado daquela maneira. Eu não precisava disso, eu não precisava me submeter a isto. Eu não suportava viver este tipo de coisas, e isto era algo que eu não aceitaria jamais. E não era o trabalho, não era o trabalho porque eu considero toda forma de trabalho válida e eu já tinha passado 9 horas em pé lavando pratos em outras cozinhas e não tinha sentido o que eu sentia naquele momento, porque eu havia sido tratado com dignidade, como gente, e ali não, ali eu era apenas o morta-fome que submeter-se-ia a qualquer coisa para não morrer de fome. Mas não era isso o que eu era, e eu não aceitaria ser tratado desta forma. Eu então decidi que não faria outro emprego desses, eu iria procurar por algo melhor, onde eu fosse bem visto e bem tratado, nada de agências, nada de ser mandado como cortador de cana para qualquer buraco, e se isso não fosse possível, eu voltaria para casa. Eu não preciso disto daqui, eu estou aqui porque quero, e só ficarei enquanto achar que me vale à pena.
E como demorou para chegar em casa. Dormir eu claro não consegui, e quando cheguei em casa quase às dez da noite, estava sozinho com as conseqüências da minha decisão, agora eu estava novamente desempregado e sem ofertas de emprego, e ainda sem dinheiro algum.