O John havia me escalado para trabalhar na sexta à partir das 10 da manhã. Eu ia ter que resolver o DALF no sábado então, último dia. Bem Douglas, resolver tudo no último dia. Mas enfim, meu desgosto começou quando eu olhei o papelzinho com um mapa que o John havia impresso para mim: eu iria trabalhar de novo com a the Cook and the Butler, a empresa do Mark.
O Ironmonger’s Hall, local do evento, fica no lado de Museum of London, o Museu da cidade de Londres, que claro, conheci assim só olhando de fora enquanto corria para o trabalho. Cheguei igual com o Mark, que descarregava o caminhão com os poloneses. No dia anterior, o Mark estava lá com toda sua politesse gritando com o motorista do caminhão quando o motorista simplesmente olhou de volta e disse chega, se lasque você agora, não preciso disso e foi embora deixando o Mark de motorista temporário. Segundo o pessoal é comum o pessoal sair do trabalho no meio por não agüentar o Mark. Eu pretendia nem ficar muito tempo no mesmo ambiente que ele, para evitar que ele olhasse para mim e dissesse algo.
Rapidamente eu consegui me livrar dos trabalhos no caminhão e subi lá para a sala que fica do lado do salão de jantar, que é onde ficam os pratos e as comidas. Os prédios aqui em Londres não são muito luxuosos, nem a Westeminster Abbey, nem o Buckinham Palace, e mesmo a Catedral de St. Pauls são assim estonteantes, então imaginem os outros prédios em geral. Aqui o clássico é pedra e tijolo, e a maioria dos lugares tem esse ar frio e impenetrável por fora, sem grandes extravagâncias. O luxo aqui fica no interior, e mesmo esses salões de eventos menores são decorados com belos vitrais e lustres, mesas e cadeiras da mais nobre madeira, e grandes pinturas. Neste salão tinha escudos de membros desde 1600 e pouco.
Colocamos as toalhas de mesa, depois todos os garfos, facas, taças e pratos para as entradas, e num rápido trabalho em equipe logo a grande mesa em formato W estava posta. Eu acho muito, mas muito bonitas essas mesas completas e bem arrumadas, e decidi que quando voltar para casa tenho que dar um jantar assim de gala com a mesa completa, haha. Hoje eu logo encontrei a pessoa que parecia ser a chefe dos subordinados, e me aproximei prestando meus serviços, e me dei bem de novo. A encarregada era Isabela, polonesa que se apresentou já dizendo eu sei, o nome não é polonês, e eu ri com a coincidência dela ter um nome português dos meus favoritos. Super simpática e prestativa, ela me mostrava tudo o que queria que eu fizesse. Ótimo. Apareceu só mais uma brasileira lá para trabalhar comigo, Márcia, de São Paulo, chegada há apensas 5 dias em Londres, mora com amigos em Willesden Green, fim da zona dois no noroeste de Londres. Também simpática, foi meu refúgio no meio dos poloneses, quase uma alegria. Às onze chega o Filipe, para trabalhar de novo com kitchen Porter.
No meio de todos nós tinha também uma negra, com sua aparência exótica de africana. Os negros daqui, em sua maioria emigrantes recentes da África, são bem diferentes dos nossos, o que mostra como os nossos são miscigenados. Seu nome era Lulu. Em um momento ocioso na nossa sala eu puxei conversa e perguntei de onde ela era, e muito me surpreendi quando ela disse que era de Moçambique. Eu perguntei logo se ela não falava português, ao que ela me respondeu sim, em português. Ela disse que sim, nos entendia, mas que eram portugueses um tanto diferentes. Eu achei graça, e fiquei conversando com ela em nossos portugueses diferentes. Um pouco mais tarde, quando eu conversava com Márcia e Filipe sobre como a construção civil paga bem, ela chegou por perto e ficou toda animada, perguntando como ela fazia para trabalhar com isso, e ao ser frustrada com minha resposta de que só homens trabalhavam com construção civil ela se irritou e disse colocando as duas mãos num formato cilíndrico no meio das pernas que isso era um absurdo, que ela podia fazer qualquer trabalho, e que se ela tivesse um caralhão grande no meio das pernas ela ganharia era muito dinheiro na construção civil. Eu olhei para o Filipe e nós seguramos o riso. Lulu ria e dizia em inglês para os poloneses que não tinha bolas, mas que se pudesse teria, e que podia pegar uma minha e uma do Filipe! Foi quase inacreditável. Os poloneses não riam, mas eu e Filipe éramos só gargalhadas.
O bom de trabalhar com o Mark, é que ele sempre deixa todo mundo comer depois que é servido o café. Então depois da entrada – que tinha sashimi de salmão com salada, depois do prato principal, depois da sobremesa, e por fim do café, nós nos deleitávamos na cozinha com comida feita para nós e restos da comida dos convidados. O problema é que nem sempre essa comida é assim uma maravilha. A comida do dia era uma batata bem diferente, parecia papel, mas muito boa e um carneiro tão vermelho que acho que se você apertasse com o garfo sairia sangue, claro que nem toquei nisso. Como sempre tem os vegetarianos, sempre tem uns vegetais estranhos, que eu comi e não consegui descobrir o que era. Mas a sobremesa era crème brulée, uma das minhas favoritas, e apesar de vir dentro de um fruto estranho verde-e-rosa – parecia um abacate, mas segundo o Filipe e a Márcia com gosto de kiwi, estava fantástico.
Enquanto arrumávamos o salão eu muito me espantei com uns velhinhos ingleses que chegavam com seus instrumentos e montavam sua bandinha super esquisita cheia de ursinhos de pelúcia e com aquela cara de velhinho felizes e toscos que tocam banjo na floresta, e fiquei esperando para ver em que momento aquela apresentação tão esquisita ia ter lugar num evento tão chique e pomposo. Enquanto os convidados comiam, uma orquestra de câmara tocava música clássica num mezanino e os músicos da floresta comiam numa sala separada. Mas depois da sobremesa, quando estavam todos bêbados e alegres, veio, num momento mais que oportuno, a bandinha tosca. E eles fizeram a festa, claro, rindo de morrer.
Esses convidados ingleses são sempre interessantes, uns são velhos que nem tartarugas, outros jovens de seus vinte e poucos anos que me fazem pensar em como alguns nascem assim podres de ricos e outros mortos de fome, mas sempre são todos muito educados, agradecem todas as vezes em que são servidos, e ainda ficam interagindo quando já estão bêbados, nos elogiando e dizendo como somos demais e estamos fazendo uma super festa. Eu estou gostando tanto deste trabalho que fico até desconfiado desta minha vocação para servir, hahaha, mas acho que é tudo uma questão de como as pessoas me tratam, muito mais que do trabalho em si.
O Mark logo teve que ir embora, pois como ele mesmo disse, ele não era mais o gerente, mas o motorista, e ele deixou a Isabela em cargo de tudo! Melhor impossível. E como os convidados beberam aquele dia, e nós ficamos todos sentados esperando mais quase duas horas até que eles começassem a ir embora para que nós pudéssemos limpar tudo. Sempre bom ganhar para fazer nada. A Márcia teve que ir mais cedo porque a amiga dela arrumou emprego para ela em outro lugar às 17, e depois de mandar tudo lá para baixo e empurrar tudo para o elevador que daria no caminhão, eu, que estava tentando ao máximo me esquivar do trabalhinho de mula que sempre tem no final perguntei à Isabela se ela ainda precisava de mim, ela disse que eu já podia ir, e quando eu estava lá na porta perto de sair, me pediram uma ajudinha e eu ainda tive que empurrar umas caixas, mas logo corri e estava livre. Era dia de pegar meu pagamento com o John, mas eu estava cansado e já era tarde eu queria era ir para casa, e fui.