É inacreditável, mas as pessoas simplesmente não entendem como eu posso falar inglês antes de vir morar aqui. Os imigrantes sempre me perguntam como eu aprendi inglês, ao que eu sempre respondo, na escola, como cara de !? e pensando se nos outros países não tem escolas de inglês. Já os brasileiros ficam desconfiados, e vêm sempre com uma ladainha de que estudar inglês no Brasil não tem futuro, que ninguém aprende nada direito, que quando se chega aqui todo mundo percebe que os dez anos de inglês no Brasil não serviram de nada porque chegam aqui e não conseguem entender o sotaque inglês. E eu fico sempre calado para não dar uma boçal dizendo que eu aprendi muito bem obrigado e não tenho ou tive nenhum problema nem para entender ninguém aqui, nem para ser entendido.
Talvez seja assim porque a maioria das pessoas que vem para cá, é porque não têm perspectivas de crescimento financeiro no seu país de origem, normalmente pessoas com baixo grau de instrução. Por isso mesmo é comum eu ouvir um o que diabos você está fazendo aqui? Quando eu falo que sou advogado no Brasil, como se isso fosse lá grande coisa. Mesmo aqui em casa isso é muito forte. Eu sou o único da casa que fala inglês, e não poucas vezes o pessoal veio me dizer que eu estava me desperdiçando aqui, que deveria na verdade ser delegado no Brasil ganhando muito dinheiro em cima da corrupção carcerária.
Dinheiro. Esta talvez seja a palavra que une a maioria dos imigrantes que procuram Londres. A libra tem um poder de sedução muito grande, e o seu poder de consumo, mesmo aqui, é imenso. Não só seduz multiplicar suas poupanças por 3.7 em reais, para assim começar algo no Brasil, como seduz por permitir que se compre um notebook com uma ou duas semanas de trabalho recebendo o salário mínimo, o que soa surreal na perspectiva do trabalhador brasileiro.
No fim das contas, eu também, estou aqui por ele, pelo dinheiro. Sem ele não só eu não me sustento aqui, como eu fico sem poder sair de casa, usar o transporte público, passear ou me divertir. Aqui o dinheiro ocupa, talvez pela primeira vez na minha vida, uma posição primordial, preciso dele para comer.
Mas aqui só quem me dá dinheiro é o John e a cada semana lá ia eu mendigar pelo trabalho de cada dia. Mas em janeiro, no meio do inverno, tudo esfria, até os eventos. Chego lá na segunda feira meio dia para ouvir John me dizer que já tinha distribuído os empregos da semana, só restava uma quarta e uma quinta. Acabei trabalhando no The Crowne Plaza de novo, que vocês já conhecem, mas não no bar como sempre, e sim no primeiro andar, numa sala de recepção, servindo banquete. O gerente era, como parece ser a lei aqui, estúpido e irritadiço, além de muito desorganizado, mas tudo correu bem o suficiente e voltei para casa ainda antes da meia noite.
Um dos lugares mais tradicionais que trabalha com o John é o Oriental Club. Fundado em 1824 para o benéfico dos aposentados da Companhia das índias Ocidentais, este clube privado fundado, entre outros, pelo Duque de Wellington e pelo General Sir John Malcolm – dois dos maiores exploradores ingleses – objetiva ser um lugar de encontros para pessoas da Elite Inglesa. Este é um dos poucos lugares de Londres que continua a servir seus clientes no modo silver service, isto é, aquele em que temos que servir a comida no prato do cliente. É lá onde mora e trabalha o Paulo há quase 11 anos. Brasileiro com cidadania portuguesa, ele viajou o mundo trabalhando com catering, inclusive em navios. Gente boa, sempre solícito e adora falar e falar dos detalhes e histórias da sua profissão. Os gerentes são dois árabes, um marroquino, Ali, e um algeriano, o Stephan. Este último é quem supervisiona os banquetes, e ele também é estúpido e não tem o mínimo trato com pessoas.
Eu já trabalhei algumas vezes, uma delas num jantar pré-natal que foi muito corrido, e nunca havia tido muitos problemas com o Stephan, além de receber um ou outro comentário estúpido ou uma cara feia. Mas ele pirou, e muito. O John, como é notório, nem tem o menor cuidado em escolher quem contratar, pegando gente sem qualquer experiência e sem inglês nenhum, nem tem o cuidado de treinar e ensinar seus funcionários, de forma que todos os lugares reclamam do pessoal mal-treinado do John. Talvez por isso os gerentes sejam são mal-educados. Claro que eu agradeço que o John seja assim, caso contrário eu não teria tido a chance de trabalhar e aprender.
Mas então aconteceu de em um dado fim se semana o John mandar duas criaturas sem a mínima noção de nada, que fizeram muitas trapalhadas, derramaram comida em cima do povo e tudo terminou com o mestre de cerimônias dizendo que escreveria uma carta ao presidente do clube reclamando do quanto o serviço foi ruim. Claro que isso tudo caiu em cima do Stephan, e depois desse dia ele começou a soltar fogo pelas narinas. Coitada da Carla, que foi lá apenas dois dias depois do ocorrido, e acabou levando, ela e o Marquim, que morava aqui neste canto do quarto onde hoje habito, um sermão enfurecido de um Stephan que ficou em cima deles, reclamando de cada detalhe, e levaram para casa o recado de que só voltassem lá quando aprendessem a ser garçons de verdade e se o John escalasse eles para trabalhar lá, eles recusassem, porque eles não teriam mais a entrada permitida ali. E não outro dia lá fui eu, escalado para trabalhar lá.
Eu, um gaúcho-sabe-tudo super chato, e mais um velhinho gallego com anos de experiência encontramos um Paulo desconfiado e preocupado em nos explicar tin tin por tin tin tudo o que deveríamos fazer. Mas eu já estou ficando calejado no serviço, e na prática aprendi como fazer as coisas, embora sendo eu desastrado, sempre acabe fazendo o que não devo. Mas correu tudo bem, sem maiores percalços, consegui pegar a comida com o garfo e colher juntos sem derrubar nada em ninguém – minto, derrubei uma cenoura que bateu num paletó e caiu no chão, mas ninguém percebeu – e no fim do dia fui embora com um sorriso e um thankyou do Stephan. E com a barriga vazia, porque a comida de lá, deus do céu, é a pior que tem, neste dia era coxinhas de frango assadas ao molho de tomate e arroz grande branco. Mesmo assim só pude provar do arroz, porque quando chegou minha vez não sobravam mais coxinhas de frango. Paciência.
Esta semana ainda trabalhei com minha querida Dagmara, no St Martin’s Lane Hotel. Fui com a camiseta que roubei na bolsa, pronto para mostrá-la e devolvê-la assim que alguém pedisse por ela. Cheguei lá quase atrasado e entrei pelo saguão principal dando de cara com Lulu – aquela do caralho grande – bem sentada. Perguntei mas o que houve porque você está aí e ela me diz que não tinha ninguém lá, que o pessoal da recepção ficou de avisar quando alguém chegasse. Achei estranho, mas sentei com Lulu e ficamos batendo papo. Mas o tempo passou e eu comecei a me preocupar, ninguém aparecia, já estávamos bem atrasados para o trabalho, e eu ficando aperriado, antecipando a cara de ódio fulminante de Dagmara. E meus medos não estavam errados.
Dagmara chegou furiosa, dizendo que deveríamos ter entrado pela entra de funcionários em primeiro lugar, e que mesmo assim deveríamos ter ido olhar se tinha alguém lá. E ela estava certa, ela estava certa. Mas era o segundo dia de Lulu lá, ela não sabia, então Dagmara virou pra mim e começou a falar enfurecida, sem nunca levantar o tom de voz you should know better, Douglas, you should know better – você deveria saber, Douglas, você deveria saber – pois já esteve aqui milhões de vezes. Eu baixei a cabeça e fui tremendo acompanhar ela, porque basta alguém brigar comigo ou me tratar mal que meu dia acaba e trabalhar se torna uma tortura interminável.
Mas inesperadamente Dagmara estava simpática (!), e não só me tratou como se nada tivesse acontecido, ainda me tratou com certa... simpatia (!). Tinha também um outro brasileiro lá, de recife, e simpatizamos um com a cara do outro na mesma hora. Eu agilizei bem o trabalho, sabia onde tudo estava e o que tinha que fazer, e mesmo havendo uma reunião numa sala que eu ainda não conhecia, tudo se passou tranqüilo. Sempre que Dagmara pedia para eu fazer algo e eu dizia já fiz, ou quando ela se perguntava algo e eu sabia a resposta, ela me olhava com ternura (!) e quase esboçava um sorriso. Meu mal estar já tinha até passado.
Era um dia bem atarefado, eventos acontecendo em vários lugares ao mesmo tempo, e só Ewa de fixa para nos ajudar. Logo chegou o Greg, o outro gerente, e Dagmara foi logo dizendo Douglas chegou uma hora atrasado hoje, mas num tom jocoso, de quem fazia uma brincadeira (!). O Greg simulou me bater de brincadeira, e como o clima estava tão inexplicavelmente leve, eu tive minha oportunidade de tentar me explicar, e falei que havia sito um julgamento errado, que ninguém tinha me instruído a entrar pela entrada de funcionários, que Lulu havia dito que era para esperar e eu pensei que algo errado havia acontecido, mas que claro, que deveria ter vindo checar e que por isso tinha sido mesmo um lapse of judgment. Dagmara ficou duvidando, mas logo tínhamos que fazer outra coisa e o assunto morreu.
Eu fiquei pensando com meus botões que o pessoal da recepção não deve bicar bem com a Dagmara, porque eles que não haviam ligado para ela, e como eu acho que ela sabe desse problema de digamos, comunicação, ela dava o seu esporro para sentir sua obrigação cumprida, mas não tinha porque ficar com raiva. As mulheres da sala de eventos do primeiro andar – que se reuniam para falar sobre novos secadores e chapinhas de cabelo – reclamavam de tudo, pediram para que levássemos mais quatro mesas e trocar todas as cadeiras. De pronto eu fiz tudo sozinho, com a ajuda do Felipe, carregadas as mesas pesadíssimas do hotel para cima e para baixo e trouxemos as cadeiras pelo elevador dos hóspedes do hotel e quando estávamos quase terminados, precisei chamar Dagmara para tirar uma dúvida sobre um novo pedido delas por mais uma mesa. Ela ficou preocupada, pois não sabia se tinha pés suficiente, e como eu sabia, disse quantos restavam, ela olhou de novo com ternura, enquanto esperávamos na porta do elevador, e então sorriu. Dagmara sorriu. Eu fiquei tão bobo, tão bobo de ver Dagmara sorrir para mim que eu também com um sorriso bobo na cara me enfiei no elevador assim que a porta abriu. Quase atropelando um hóspede que tentava sair.
Em milésimos de segundo o sorriso de Dagmara se converteu em sua cara demoníaca de ódio, enquanto ela me insultava durante a subida inteira e eu cabisbaixo quase chorando e repetindo sem parar I’m sorry, I’m sorry.
Mesmo depois de quase estragar – de novo – meu dia por lá, Dagmara continuou simpática! E aqui eu só podia pensar que ou algum supervisor dela deveria ter dado um grande esporro, ou ela estava apaixonada e vinha de uma bela noite de amor. Mas ainda assim o resto da manhã correu bem e depois de um almoço muito bom, como sempre é a comida servida aos funcionários lá, fui para casa depois de ainda passear um pouco com o Felipe. E como era bom ouvir um sotaque nordestino. Ah! E ninguém me perguntou da camiseta, que voltou comigo para casa e agora virou minha. He.
Um comentário:
essa dagmara eh mto tosca, e agora sua vida ta deixando de ser um seriado na minha cabeça pra virar um desenho animado, hehe, coisas mto toscas. tah vendo, adorei as fts de novo, tao lindo e chique tudo, tao filme =p. aí deve ter mta gente bunita =p.
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