Depois de meses, cá estou eu tentando cobrir o tempo passado. Vamos tentar. O começo de fevereiro foi meio brutal. A prova do DALF foi péssima, e procurar empregos é algo exaustivo. Alguns dias antes, eu tinha ido a um entrevista em um hotel perto de casa, eles faziam entrevistas coletivas para empregar muitos funcionários. Eu soube através de uma mensagem do Thiago, um brasileiro que ainda nem conheci pessoalmente. Chegando lá a entrevista foi muito bem, conversei tranqüilo com o entrevistador, falei das experiências que tive com o John e saí bem confiante, crente que poderia ter conseguido meu emprego, mesmo tendo dito sincera e claramente e que iria embora em junho e que só tinha visto de estudante. Alguns dias depois recebi uma carta dizendo que eles não tinham vagas no momento.
Apelei para o pessoal de casa, se alguém sabia de algo, que me colocassem em algum lugar, e então que a núbia falou com uma conhecida dela que precisava de alguém para ser supervisor de uma faxina, num prédio da City of London, centro financeiro tradicional de Londres. Eram só quatro horas por dia, e eu teria que fazer a faxina além de supervisionar os outros. Mas claro que aceitei. Fui levar meus documentos lá longe, no norte de Londres, zona três, e instruído por Diovane e Núbia, disse que levaria meus documentos depois. Chegando lá nem entrevista teve, e uma brasileira anotou meus dados e disse que me telefonaria.
Mas eu não queria fazer faxina, e nem aceitava esta idéia de fazer documentos falsos. Mas parecia que eu havia chegado com a cara na parede, num beco sem saída onde eu simplesmente não encontrava empregos por só ter visto de estudante, e só poder trabalhar vinte horas por semanas. E então o desespero foi aumentando, em pouco mais de uma semana desempregado, o pouco dinheiro que fiz com o John se esvaiu rapidamente. Em cima da cama, mandando currículos pela internet que não eram respondidos, eu só concluía que não sabia o que havia vindo fazer aqui. Eu não me divertia, não estudava nada, não ganhava dinheiro. Não fazia sentido mais ficar aqui e eu decidi que deveria voltar mesmo.
Mas eu não podia, meu orgulho nunca me permitiria voltar assim de mãos vazias, como um fracassado, e foi então que resolvi mentir, e disse no meu currículo que tinha nacionalidade portuguesa. Era meu último tiro, se não desse certo, voltaria. Lá ia eu ficar ilegal. Recebi inúmeras respostas no mesmo dia.
Eu já tinha me surpreendido com o fato de que todo mundo da minha casa trabalha com documento falso, e é por isso fazem mais de 300 libras por semana. Segundo eles é assim: você compra uma carteira de identidade de outro país europeu, tipo espanha ou portugal (50 libras), mais um national insurance number (mais 50 libras), e esses documentos você só apresenta pro empregador pra ele olhar e empregar você, depois esconde embaixo do colchão e não usa para mais nada. Os empregadores, desesperados por funcionários, não estão nem aí pra procedência nem nada. Então todo mundo vive feliz aqui assim, e só hoje então eu entendi porque só eu não ganhava dinheiro nessa cidade maluca. Mas eu sou besta e medroso, e não me vejo fazendo algo assim, mesmo porque sendo eu como sou, eu ia andar na rua já olhando com cara de desconfiado e se ouvisse um apito do guarda ia correndo me confessar e me ajoelhar pedindo perdão. Existe sim uma possibilidade de trabalhar em alguns lugares que ignoram o fato de você ser estudante e entopem você de trabalho, mas é raro e difícil, ou ainda é possível trabalhar vinte horas em dois lugares diferentes, mas isso significa arrumar dois empregos com horários compatíveis, mais difícil ainda. E eu estava sem nada e sem esperanças.
Então comecei a apelar, me inscrevi também nuns sites de Au Pair, para trabalhar como babá/doméstico em casa inglesas, que se não paga tão bem, ao menos é um dinheiro livro, me deixa sem gastos de de aluguel e comida. E assim do nada recebi uma proposta para ganhar 400 libras por semana. Não acreditei, não era possível, e então recebi outra, e outra. A animação foi tão geral, não me contive.
Mas Londres guarda suas surpresas. Maceió (Londres?) é um ovo. Lá estava eu, meia noite, voltando da casa da Carla no meu tremzinho pra andar uma estação só. Pensei em vir à pé, mudei de idéia, e vi no painel lá embaixo que ia sair um trem pra minha casa em 1 min. Subi as escadas correndo e quando cheguei lá em cima a porta fechou na minha cara. Fiquei puto, mas o próximo trem vinha em 1 min. Sentei e fiquei na minha. O trem chegou, e eu entrei logo na frente do trem; mas aí pensei: a escada para descer é lá no fundo do trem, então saí correndo e entrei nua das últimas portas. E de repente vejo que eram dois brasileiros que conversavam no fundo do trem. Um cara com um cabelão liso imenso falando de iron maiden. E eu ouvindo e olhando para a cara da menina que ouvia aparentemente interessada. Meu deus que rosto familiar! Será que é a Renata (menina que fazia Arriete comigo, alguns de vocês devem conhecer)? Mas estava tão diferente. Não, não era possível que eu encontraria ela ali. Eu descobri por acaso que ela vinha para londres, quando eu deixava escrape no orcute de um amigo de Priscila Catão – irmã de Nathália - que mora aqui em Londres, mas desde que ela veio não a encontrei nem online nem nada. Eu ri pensando no escrape que escreveria quando chegasse em casa, perguntando se era ela no DLR à meia noite. Então o trem chega e eu vou para a porta. Então ela se levanta junto com o cabeludo e vem para a mesma porta que eu! Eu fico olhando para ela em choque, tentando descobrir se era ela mesma, e ela me olha uma vez, volta-se para o cabeludo e depois me olha de novo com um grito: Douglas! Meu deus era ela. Eu encontrei Renata num trem em Londres à meia noite! Quais as chances de isso acontecer? Rimos, ela contou que ia pegar um trem pro centro pra encontrar o Diogo, eu contei que morava ali mesmo. Trocamos telefone de novo, ela disse que me ligou várias vezes e eu não atendia nunca e que tinha comentado para o Diogo que voltaria para Maceió sem me ver. Ela disse que trabalhava em um pub pertíssimo aqui de casa e que quatro pessoa estavam saindo de lá. E ela disse que me encaixaria lá nem que fosse para trabalhar nos fins-de-semana! A esperança voltou.
Enquanto isso eu continuei a mandar mais e mais e-mails para empregos, com a ajuda de Luciana. E assim fui para minha primeira entrevista. The Little Square era o nome do restaurante, perto do Green Park. Me apaixonei na hora em que entrei, bem pequeno, umas seis mesas, super aconchegante. Debby, uma polonesa, fez a entrevista comigo, e pareceu razoável, marcou para que eu fosse na segunda fazer um dia de teste. Eu disse que tinha o passaporte português mas que levaria depois. Na segunda saí de casa atrasado, como sempre, porque eu ainda tinha que comprar uma blusa preta para trabalhar lá. Comprei na Primark – paraíso das roupas baratas - 4 libras, no cartão da minha mãe, já que não tenho nada no bolso. Consegui chegar ainda 5 minutos antes das 18, feliz de constatar que consigo chegar lá em menos de meia hora saindo da minha casa, excelente. Quando eu cheguei a Debby sorriu para mim e me apresentou Juan, mexicano que trabalha lá como waiter - garçom. Como ela estava ocupada, pediu para Juan me mostrar as coisas, e logo Linda, que trabalha de waiter também, mas em um dos restaurantes vizinhos - são três do mesmo dono - veio olhar o processo. O restaurante é bem pequenininho, seis mesas pequenas somente, mas é um aconchego delicioso. Com velinhas nas mesas e gravuras na parede, é um cantinho charmoso. Juan me explicou tudo o que deveria fazer, que era imensamente simples, arrumar as mesas, como levar pedidos na cozinha, onde ficam guardados os talheres e pratos e etc. Depois me ensinou como usar a "caixa registradora" e a maquininha do cartão de crédito, coisas que nunca fiz antes, mas se provaram ser simples e tranqüilas. Juan e Linda dois amores, Debby sempre passando e brincando com eles dois, o clima entre os funcionários - meu maior medo - não podia ser melhor, daquelas pessoas que assim de cara já gostei, e que fizeram questão de demonstrar ser recíproco. Fizemos simulações de clientes chegando, tudo às risadas, e eu já me considerava confiante com tudo, menos com o cardápio, sempre meu temor. Mas até o cardápio se provou simples, com palavras chaves que os meninos me mostraram, rapidamente já tinha uma noção muito clara, e estava louco para que os clientes chegassem. Como eu estava feliz de ter achado um lugarzinho como aquele, pequeno, aconchegante, trabalho leve, simples, no centro, perto de casa, e com colegas de trabalho amigáveis: parecia que eu realmente havia me encontrado, e minha sorte em Londres mudado de vez. Considerei seriamente abandonar minhas ofertas de Au Pair, parecia que aquilo ali, mesmo ganhando bem menos, parecia o lugar certo. Então Debby me chama para falar lá em cima, e eu dobro minha cópia do cardápio do bolso, crente que ela me falaria e me testaria sobre ele já, quando ela me pede para sentar e começa a dizer que semana passada havia treinado um rapaz, mas que ele não tinha dado certeza se ficaria com a proposta, mas que há cinco minutos ele havia ligado dizendo que ia ficar. Eu ainda sem entender o que aquilo teria a ver comigo esperei inclinando meu queixo um pouco adiante à espera de que ela continuasse falando e eu pudesse entender onde ela queria chegar. Então ela disse que como ela já havia treinado ele e ele fez tudo direitinho e ele tinha sido treinado antes de mim, ela não queria perder mais nem um minuto do meu tempo, pediu mil desculpas por ter me feito ser treinado à toa, nitidamente sem jeito, sem graça e eu diria até envergonhada. Ela perguntou se eu havia comido, eu que não tinha conseguido responder nada, e eu disse que não, ela perguntou se eu queria comer e eu disse que sim, ela pediu que eu sentasse lá embaixo e pediu ao chef que me preparasse uma pasta. Sentei incrédulo, esperei, comi, busquei meu casaco, e quando ia me despedir ela me deu 5 libras, me agradeceu novamente, e eu disse que havia realmente gostado de tudo por lá e que se surgisse qualquer outra oportunidade ela me ligasse, pois tinha meu número, ela fez uma cara de pena imensa, e disse que eu não me preocupasse, assim que ela precisasse de alguém ela me ligava, me despedi dos meninos que não entendiam direito o que se passava e assim que bati a porta saí correndo pelas ruas e calçadas.
E então resolvi aceitar as ofertas de Au Pair, e vi que era um golpe. Eles pediam para que pagasse mil libras para tirar os documentos necessários para trabalhar. Acontece que não preciso de documentos. Enfim, o desespero só aumentou. Renata não me respondeu nem ligou mais. Mandei mensagens, ela disse que o gerente não confirmou que precisava de alguém, e ela pediu para eu ir lá pessoalmente mesmo assim, quem sabe rolava. Mas eu estava sem esperanças, recebi outros convites para entrevistas, mas todos os lugares pareciam ruins: distantes de casa, pagavam pouco, muito trabalho. Eu realmente estava desestimulado, e eis que me liga a amiga da núbia sobre a faxina e eu aceitei, não tinha mais o que fazer. E naquela noite, indo dormir pensando em como seria ser faxineiro e ilegal, o Magno – amigo da Lorena que me indicou no restaurante que ele trabalha, o ping pong, ainda em dezembro – me fala no MSN que a Raquel, gerente lá, pediu para que eu fosse lá no outro dia fazer uma nova entrevista. Dormi melhor.